Das Eras Parte V - Memória de Abril - 3o
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023/09/27
Maldito MFA,
Apressadinho que tu foste.
Deixasses as coisas correrem
E tudo, na mesma, se resolveria.
Mas não,
Tiveste que levar os soldados a passear
Pelas ruas de Lisboa.
Fizeste um rico serviço,
Seu tolo.
Maldito Povo,
Sempre tão obediente,
Crente de missa todos os Domingos,
Respeitador de pai e mãe
E teus legítimos superiores.
Logo naquele dia
Havias de perder o respeito,
Desobedecer aos Capitães,
E,
Como se não bastasse,
Batias sorridentes palmas aos soldados
E,
Armado em florista,
Fizeste das G3 jarras
Com cravos, vermelhos nascidos.
Maldito MFA,
Que pressa foi a tua?
Não sabias, seu palerma,
Que a ditadura era
Era uma árvore podre
Onde só a casca reluzia?
Não,
Tinhas que sair à rua,
Prometer uma descolonização
Que deitou a perder a solução
Neocolonial.
Maldito povo alegrete
Que vieste para a rua fazer festa
A uns pategos armados,
E armados em salvadores da Pátria.
Não sabias, ó ignaro,
Que a União Nacional
Se desfazia em pedaços alinhados
Em Ala Liberal,
Em Ala Conservadora,
E Ala Ditatorial?
Maldito MFA
Que abriste as prisões,
Libertaste
Os terríveis marxistas,
Inimigos da burguesia liberal
E da acumulação capitalista.
Maldito MFA,
Mil vezes maldito,
Que se tivesses deixado as coisas acontecerem,
Terias evitado tantas confusões.
Maldito MFA,
A ditadura cairia decrépita.
Dos pedaços nasceriam
Legítimos burgueses
Populares,
Liberais,
Democrata-cristão
Aos quais se juntaria
Um condimento levemente de esquerda.
De esquerda sim,
Porém respeitadora da ordem burguesa.
E,
Claro,
Os marxistas continuariam proibidos
E a mofar nas cadeias.
E os sindicatos,
Senhores do MFA,
Continuariam obedientes e obrigados
Ao governo e aos patrões.
Maldito Povo,
Que saíste à rua a cantar,
Já não as canções
De amores felizes, ou sofridos
Não correspondidos.
De amores mentirosos
Que prometem voltar com o vento,
Mas que o vento para sempre levou.
De amores
Que põem os amantes de joelhos
Porque pecaram.
De rapazes que foram à guerra
E não trouxeram mazelas.
Começaste a cantar
O povo é quem mais ordena,
A liberdade está a passar por aqui,
Avante camaradas,
De pé famélicos da terra,
Agora o povo Unido,
Venceremos, venceremos.
Ó povo,
Que obediente, sofredor,
Ias a Fátima a pé,
Ensanguentavas os joelhos na Cova da Iria
Agradecer a volta da guerra do teu filho
Que não cumpriu o seu dever de guerreiro
E não morreu.
Maldito MFA,
Que em dezoito meses de euforia
Criaste no Povo a fantasia
De que tudo poderia ser diferente.
Para chegarmos a esta situação
A que os portugueses teriam chegado
Sem ti, MFA,
Sem Cravos,
Sem dores,
Sem desilusões.
Malditos revolucionários
Que nós fomos,
Ou pretendemos ter sido,
Que vimos o castelo a ruir
E só com palavras
O quisemos aguentar.