Canto triste - XXV
Canção XXV
024/02/26
Ó gentes minhas companheiras,
Que das serras fazeis queijo,
Que da terra amassada fazeis pão,
Que lavrais peixes nos mares,
Que da matéria bruta criais beleza,
Que em todos balcões servis vida,
Que o caos organizais em números,
Pensemos baixinho, com sinceridade
Como ficamos tão sem força assim
Para não levarmos a luta até ao fim.
Ó gentes, minhas companheiras,
Que sacrificáveis o descanso,
Depois de um dia de labuta,
E em negras noites de sussurros
Com força nos braços, brilho no olhar
Desbravávamos novos caminhos
À procura de um futuro sem classes.
Pensemos baixinho, com sinceridade
Como ficamos tão sem força assim
Para não levarmos a luta até ao fim.
Digamos companheiras, digamos,
Aos ventos que sopram dos montes,
Do queijo que em vossas mãos nascem,
Das mãos que da terra arrancam pão,
Do coro das máquinas que vossos dedos regem,
Dos números a contar sob a vossa mestria,
Dos peixes embalados nos vossos berços,
Digamos baixinho, com sinceridade
Como ficamos tão sem forças assim
Para não levarmos a luta até ao fim.
Ouçamos no vento, ouçamos com atenção
O que um diz na solidão do monte,
O que outro prega na rabeta do arado,
O que alguém resmunga junto à máquina,
O espanto da realidade na máquina de calcular,
O gemer dos dias nos barcos a baloiçar,
Ouçamos baixinho, gritemos com verdade
Que ficarmos tão sem forças assim
Desonra a quem nos trouxe perto do fim.
Zé Onofre