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024/06/02 – 02:00h
Não me lembrei que ontem/hoje
É/foi dia da Criança.
Pensar que também já fui criança.
Enquanto o fui não sabia que o era.
Era apenas um ser que brincava,
Ria e chorava,
Corria comos os cabritos pelos montes,
Mergulhava nas águas geladas das poças de rega
Ou nas correntes águas d do Tâmega.
Brincava à cabra-cega,
Ao bate e fica, à bruxa da ajuda,
Jogava o pião, saltava à corda com vergas de vides, jogava a macaca,
Dançava canções de roda,
E tantas outras coisas naturais para o ser que era.
Maquinalmente ia à missa,
À catequese, ao terço, fazia a via sacra,
Apenas porque sim
E porque antes e depois havia muitos amigos
Para brincar.
Jogava a bola de trapos
Que tanto servia para acertar nas canelas,
Rebentar os sapatos, novos ou velhos,
Como para jogar o mata.
Fazia tudo que havia para fazer
Porque era da natureza das coisas serem feitas.
Tudo isso eu fazia sem saber que era criança.
Apenas me apercebi que fui criança,
Quando deixei de fazer tantas coisas
Que já não era da natureza serem feitas.
Nesse momento morri.
Será que então renasci,
Ou um outro ser nasceu daquilo que fui?
Que conservo desse tempo
Em que fui criança sem o saber?
Talvez venha dessa perda,
A minha queda para a melancolia
A vontade de encontrar um futuro
Onde todas as crianças
Possam ser crianças sem saberem que o são,
Que façam coisas naturais
Para aquilo que são.
Que possam brincar de pés descalços,
Vivendo em casas, palacetes, ou barracas,
Todos iguais sendo crianças sem o saberem
Brincando com coisas próprias de crianças
Nos campos e nos montes,
Ou nas areias do deserto
Sem brincarem ao rou-rou
Sem bombas como esconderijos.
Que possam brincar só com um sol brilhando no céu,
Só com nuvens de água,
Ou de areia,
Mas sem nuvens da fumaça das bombas.
Que possam brincar ao princípio da noite,
À luz das estrelas, ou do luar
Sem a luz artificial de bombas em explosão.
Que possam ser crianças
Como quando fui criança sem o saber,
Em que o que importava,
E apenas deve importar é ser,
Ser apenas e não ter.