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Notas à Margem

Notas à Margem

27
Nov24

De regresso aos tempos das sombras e dos sussurros - 3

zé onofre

              3

 

024/11/26

 

Agora que os salazaristas

Deram à costa, depois

De anos a servirem de lastro,

Nos partidos do "arco do poder";

 

Agora que os salazaristas

Mostram as garras

mosxtrando os criptosalazaristas

Novo-democratas que nos têm governado;

 

Agora que se assumiram

Como autores de novembro,

Algozes dos sonhos de abril,

Tendo ontem assinado a certidão de óbito;

 

 Agora que se mostraram verdadeiros

Inimigos do que em abril se iniciou,

A democracia plena por inteiro,

Que o novembro deles matou;

 

Agora que o Capital deixou de fingir

Que mostra à sociedade e à saciedade

Quem é que o sabe bem servir,

Sem subterfúgios e verdade;

 

Esta é a nossa hora de acordar

De cinquenta anos de sono profundo,

E de mostrarmos a todo o mundo

Que à clandestinidade podemos voltar. 

       Zé Onofre

22
Nov24

Comentários - 354

zé onofre

                  354 

 

024/11/15

 

Sobre Quase Nascer-do-Sol, Mafalda Carmona, 15/Nov/24, eme Nascer-dohttps://cotoviaecompanhia.blogs.sapo.pt/

 

"Repentinas mudanças e andanças"

Fizeram-me rodopiar

Como um pião inocente

Lançado por mão de criança

No largo 

À hora do recreio.

 

Fazem-me rodopiar,

Primeiramente em voltas estonteantes,

Que não distingo os pés

Sequer sei

Se os pouso no chão.

 

Voltas estonteantes

Seguidas de voltas mais lentas,

Começo a entender onde estou,

Por onde andei,

Porém, ainda tonto,

Não sei quem sou.

 

Voltas mais lentas,

Agora cambaleante

No meu rodopiar,

A consciência vai voltando

Depois de tanto girar.

Antes que caia,

Olho em volta

Penso,

É necessário recomeçar.

   Zé Onofre

20
Nov24

Cantos tristes - XXIX

zé onofre

 

Canção XXIX

024/09/14

 «Pergunto ao vento que passa …»,

Uma voz que se levantou

Naquele tempo de desgraça

Por que o Povo passou.

 

«… Notícias do meu país.»

Continua a voz desterrada,

Arrancada a profunda raiz,

Dos campos da sua terra amada.

 

Naquele tempo da ditadura

Era fácil levantar a voz,

Apesar da prisão, da tortura

E da morte que pairava sobre nós.

 

Hoje não há soturnas cadeias,

Não há candeeiros disfarçados

Que espiem actos e ideias

Que nos levem encarcerados.

 

Hoje não é tão fácil como ontem

Levantar a voz contra a opressão

Que do nosso corpo se mantém,

Que anda por aí sem identificação

 

Não é tão fácil como ontem

Descobrir os vis assassinos

Que como quem nos quer bem

Nos espetam os ferozes caninos.

 

Hoje não é tão fácil como ontem

Avistar os novos vampiros

Que com desfaçatez e desdém

Nos subtrai os últimos suspiros

 

Hoje é urgente usar a canção

Alerta da revolução por fazer.

Com as armas que temos na mão

Contra o capital lutar e vencer.

    Zé Onofre

17
Nov24

Dia de hoje 110

zé onofre

                 110

 

024/11/17

 

Roubado

 

Noutros tempos,

E esses ontem foram,

Contudo,

Lá tão longe

Que parece que um século se passou.

 

Naqueles tempos,

Cinzentos na névoa da memória,

Havia um menino,

Como todos os outros meninos

Que outrora havia,

Que vivia ao ritmo da vida

Sem pressas,

Sem ansiedades

Ao ritmo do tempo

Que o tempo tinha.

 

O tempo,

Nesse tempo ido,

Era marcado pelo calendário

Que não sabia de dias

Nem de horas,

Era marcado pelo ritmo

Dos momentos,

Que então o ano tinha.

 

Havia o tempo de semear,

O tempo de cuidar,

O tempo de colher,

O tempo de descansar.

Tudo acontecia,

Como tinha de suceder,

No tempo de acontecer.

 

Era a festa da Primavera,

Opas vermelhas de casa em casa

Guiadas pelo som estridente

De campainhas de prata

Que crianças felizes

Badalavam sorridentes.

 

Já quase no fim,

Pré-anunciando o verão,

Acontecia o dia da espiga,

Dos murmúrios pelos valados,

De carícias e juras dos namorados

E a festa da Ascensão.

 

O doirado do trigo e do centeio

Chamavam as ceifeiras,

Era o verão no seu fulgor.

Os mergulhos em águas frescas,

De poças, riachos, ribeiros

E rios verdadeiros.

Os bailaricos

Nos largos e terreiros,

Pelo são João,

Que duravam a noite inteira.

 

Já lá vem o Outono multicolor,

Das vindimas,

Das desfolhadas

Com risos marotos,

Cochichos misteriosos,

Das explosões de alegria,

Numa espiga de milho-rei.

 

De mansinho chegava o inverno,

Das chuvas mansas,

Ou torrenciais, das geadas “brabas”,

Caiadoras dos campos

Imitando, como podiam,

A brancura da neve.

 

Inesperadamente, como um sonho,

Já era o tempo dos presépios,

Das rabanadas e da aletria,

Da Missa do Galo,

Das janeiras e dos reis.

 

Ao ritmo do tempo

Que o tempo tinha,

De um calendário sem pressas

A vida acontecia,

Como tinha de acontecer,

No seu momento único

De alegria e magia.

 

Fui roubado

Pelo tic-tac furioso dos relógios,

Devoradores do tempo,

Que antecipam

Destruindo a surpresa

Do o momento certo e único

Que surgia vindo do nada

Com a magia do inesperado.

    Zé Onofre

15
Nov24

Comentários - 353

zé onofre

               353 

 

024/10/07

 

Sobre dói?, Di, 07 de Outubro de 2024 em https://1mulher.blogs.sapo.pt/

 

O que mais dói

Não é a dor física.

Essa vem,

Identifica-se,

Cura-se,

Vai.

 

Mais aguda

É a dor interior

Que vem não se sabe de onde

Permanece,

Perturba,

Arrasta-nos

Para as profundezas da vida.

 

Mais esmagadora,

Ainda,

Do que a esta dor

Que a qualquer um pode atingir,

É a dor da Impotência,

Dor pandémica (sem cura, ou vacina)

Que escorre das garras 

Da mentira

Difundida,

Como verdade absoluta da arrogância,

Elevada a suprassumo da Razão,

Da impunidade

Com que se destrói a Vida.

 

Uns argumentam

Com a Religião.

Outros apontam

As diferenças Culturais.

Alguns assumem-na

Como direitos Históricos.

Ainda elaboram

Em defesa da Democracia e da Liberdade.

 

Entretanto sofremos,

Enquanto uns poucos se apoderam

Das Vidas,

Da produção,

Das riquezas

Que acumulam e acumulam e acumulam.

 

Enquanto

Anunciam a altas vozes

Que é para bem dos Povos,

O sangue de milhões de vidas

Escorre-lhes pelos beiços

De Vampiros.

     Zé Onofre

14
Nov24

(Re)Levantar - Canção - 4

zé onofre

4

 

024/11/11

 

Companheiros vamos à luta

Que a luta é que nos faz falta.

Vive-se conformado sem luta,

A luta é que anima a malta.

 

Companheiros, aprendamos a lição

Das gerações que já passaram.

Não há avanço sem revolução,

Sem revolução os sonhos acabaram

 

Companheiros vamos à luta,

À luta que novo dia contém.

Não nos fiquemos pela luta

De melhorar o que melhora não tem.

        FAL

13
Nov24

Sobre factos do dia a dia - 13

zé onofre

 

13Sobre os …

 

2024/11/13

 

Incêndios

 

Doença ou Sintoma?

 

Agora que o céu se apresenta cinzento, apenas devido às nuvens e que as labaredas que se avistam nos altos das serras e dos montes são do sol nascente, ou do poente, escreverei serenamente sobre os fogos florestais.

Não sou especialista – arquiteto paisagista, engenheiro florestal, ou sequer técnico de combate aos incêndios. Apresento a minha opinião de cidadão que vê, ouve e lê e a partir daí tiro conclusões.

Para as fundamentar estudei o desenvolvimento da geografia humana e económica desta praia minúscula nas bordas da Península Ibérica.

  1. Um primeiro período que vai da autodeterminação do Condado Portucalense à crise dinástica de 1383/85.

O progresso assentou na procura do equilíbrio entre as várias actividades – rurais, artesanais e comerciais – quando o Comércio começou a sobrepor-se às outras atividades, os governantes tomaram medidas para harmonizar a produção com o comércio - «D. Afonso III iria determinar […] que os mercadores estrangeiros levassem igual valor de mercadorias nacionais ao das que traziam para vender no reino.» (in, História de Portugal Medievo, economia e sociedade, pág. 165, Maria Helena Ferro Tavares, Universidade Aberta, Lisboa, 1992).

Todo o progresso económico assentou na harmonização das várias atividades e por necessidade no desenvolvimento do ensino. D. Dinis, na agricultura - secar pântanos e plantar florestas de proteção dos solos contra o avanço das areias – pinhal de Leiria; criação de feiras por todo o país; criação da marinha de guerra para proteção da costa, e dos marítimos, das actividades corsárias. – No ensino criação dos Estudos gerais. D. Fernando - Lei das Sesmarias que obrigava ao cultivo dos terrenos incultos com a penalização destes serem expropriados; criação do seguro marítimo, obrigatório para naus superiores a uma determinada tonelagem – Companhia das naus;

Estas politicas fizeram com que neste período houvesse uma evolução harmónica da produção – agrícola, artesanal e comercial -  e ocupação equilibrada do território.

  • O segundo período inicia-se com o fim da crise dinástica – Vitória da Burguesia e dos segundos filhos da nobreza, até aos dias de hoje. É caracterizado por avanços e alguns recuos na supremacia do desenvolvimento económico assente no Comércio Marítimo – até aos dias de hoje.
    1. O novo poder – Dinastia de Avis e D. Nuno Álvares Pereira – originado na vitória sobre a velha nobreza – fiel à sucessão legítima de D. Fernando, D. Beatriz/D. João I de Castela - tem o seu suporte nas Elites Burguesas e dos Filhos Segundos da Nobreza. A luta dinástica/revolução burguesa destruiu as lavouras, as actividades artesanais. Muda de mãos os vínculos de propriedade e concentram-se ainda em menos e novas mãos -  Fernão Lopes, na crónica de D. João I, elabora a teoria da Sétima Idade: «na quall se levamtou um mundo novo, e nova geeraçom de gemtes; porque filhos dhomeẽs de tam baixa comdiçom que nom compre de dizer, per seu boom serviço e trabalho, neste tempo forom feitos cavalleiros, chamamdosse logo de novas linhageẽns e apellidos. Outros se apegarom aas amtiigas fidallguias, de que já nom era memória, de guisa que per dignidades e honrras e offiçios do rreino em que os este Senhor seemdo Meestre, e depois que foi Rei, pos, montarom tanto ao deamte, que seus decendentes oje em dia se chamam doões, e som theudos em gram comta. (CDJ, I, c. CLXIII)». O poder emergente teve que satisfazer a sua nova clientela e encontrou a solução fora das fronteiras - conquista de Praças Comerciais no norte de África.

Ao optarem por esta via, é verdade que resolveu de imediato a ambição das novas elites governantes, também iniciou um caminho de despovoamento, de estagnação da exploração e técnicas agrícola, cujos senhorios se tornaram cada vez mais ausentes, e atrasou a evolução do artesanato, com excepção das artes ligadas à marinhagem.

  1. A colonização das ilhas atlânticas, da exploração da Costa de África - o comércio do Ouro da Mina e de escravos – acelerou o despovoamento que se agudiza com a ligação da Europa com a Índia por via marítima, pela tentação das riquezas que vêm do Oriente até aos nossos portos com Lisboa à cabeça.

 

«Como eu vi correr pardaus/ por Cabeceiras de Basto, / crescerem cercas e o gasto, / vi, por caminhos tão maus, / tal trilho e tamanho rasto.

Logo os meus olhos ergui, / à casa antiga e à torre, / e disse comigo assi: / «Se Deus não nos val aqui, / perigoso imigo corre!»

Não me temo de Castela, / donde ainda guerra não soa; / mas temo-me de Lisboa, / que, ao cheiro desta canela, /o Reino nos despovoa.

E que algum embique e caia /(afora vá mau agouro!) / Falar por aquela praia / da grandeza de Cambaia/ Narsinga das torres d’ouro»

(carta 10 - a António Pereira sr. de Basto)

«Agora, por que vos conte / quanto vi, tudo é mudado; / quando me acolhi ao monte / por meus vizinhos defronte / vi lobos no povoado.»

(carta 11 – a seu irmão Mem de Sá)                  

 

[Sá de Miranda in – Textos literários Século XVI -, Maria Ema Tarracha Ferreira, Beatriz Mendes Paula, 2ª edição, Editorial Aster, Lisboa. Carta 10, pág. 352. Carta 11, pág.362]

 

Do Oriente vieram mercadorias valiosas que se acumularam nos armazéns do porto de Lisboa, onde permaneciam o tempo necessário para seguirem para a Flandres, de onde as naus que as levavam voltavam com o que não produzíamos para as trocas comerciais. O que sobejou foi gasto em obras de Prestígio e em embaixadas Luxuosas entre as quais a corte Papal.

  1. Com a queda do comércio com o Oriente, seria de esperar que    desenvolvessem a sua própria Terra. Não. Com o que sobrava do Oriente iniciam uma aventura no Atlântico Sul, que continuará e reforçará o despovoamento e atraso na produção interna. O Brasil tem fome de mão-de-obra e ferramentas, que Portugal não podia oferecer. O norte da Europa, numa fase pré-industrial, produzia os produtos industriais necessários e África a mão de obra, ainda por cima escrava.  Iniciou-se o comércio triangular entre o Brasil, África e a Flandres, intermediado pelos portugueses. O norte da Europa fornece tecidos e ferramentas, a costa de África escravos, o Brasil açúcar e os portugueses o transporte e na passagem por Lisboa deixam alguns trocos e levam mais colonos.
  2. Numa quarta fase, no tempo de D. Pedro II, tentou-se uma política de desenvolvimento industrial, principalmente no têxtil e consequentemente no desenvolvimento nas actividades produtivas a ela associadas o que permitiu fixar alguma população. Certamente estava a resultar porque os “velhos aliados” se sentiram atingidos para nos proporem um acordo comercial – o tratado de Methuen – cobravam uma taxa benéfica na compra dos nossos vinhos, e os portugueses abdicavam da produção de tecidos finos. Mais uma vez um atraso no desenvolvimento económico do País, e mais despovoamento.
  3. Também, no tempo de D. Pedro II, houve a descoberta das primeiras riquezas minerais na Colónia Sul-atlântica. Este facto conjugado com o tratado “dos vinhos e dos panos, começou a corrida aos minerais preciosos do Brasil. No clímax da exploração mineira parece que o ouro jorrava do solo, mais milhares de portugueses, aspirantes a milionários, embarcaram para o Brasil.

O “quinto do ouro” que a Coroa – D. João V - segue o caminho dos Países Baixos tal como as especiarias da Índia e o açúcar do Brasil. O que sobrou também foi gasto em obras e embaixadas sumptuosas, numa mentalidade novo-rica e de ostentação se desperdiça o desenvolvimento do Reino. Com o fim de “os quintos do Brasil”, Portugal está mais despovoado, sem agricultura -  exceptuando o vinho - sem artesanato e sem comércio marítimo digno de nota.

  1. Numa quinta fase aparece um génio entre a mediocridade desta Terriola a que se chama país. O 3º conde da Ericeira, o nosso génio, aposta no que verdadeiramente cria a riqueza das nações – produção agrícola, livre dos métodos medievo-senhoriais, artesanato que se pré-industrialize, pastorícia que produza matérias primas para os têxteis e aumente a produção de queijo, a exploração mineira que alimente uma futura indústria metalúrgica. Pretendeu que Portugal alimentasse o mercado interno, reduzindo a importação, e que os excedentes contrabalançassem as importações.

Tudo conjugado faria redistribuiria equilibradamente a população pelo Território. Pombal, continuaria esta política regulou o comércio com as colónias, protegeu o melhor da produção agrícola– o vinho do Alto Douro, encetou a reforma do ensino retirando o ensino universitário das mãos dos Jesuítas e da escolástica; proporcionou instrução à aristocracia, que a tornasse útil e a libertasse da mentalidade medieval que considerava desonra qualquer ofício.

Estas medidas criaram atritos não só com a aristocracia, mas também com o Clero que se sentiu atacado quer nas propriedades quer no domínio espiritual sobre as mentalidades.

  1. Estas reformas, pouco consolidadas, são atacadas pelos seus adversários que encontram eco na nova rainha D. Maria I.

É o tempo da viradeira, seguida dos movimentos revolucionários Liberais que abalam a Europa.

De um lado a França Revolucionária que, com Napoleão expandiu o Liberalismo; do outro os impérios britânico, alemão, austro-húngaro e russo. Portugal foi arrastado para este furacão pela fidelidade à sua velha “aliada”.

O alinhamento com a Inglaterra levou à invasão napoleónica, à fuga da Coroa para o Brasil e com ela um contingente enorme de portugueses.

A guerra trouxe os nossos velhos “amigos” que a troco da sua ajuda, necessária porque não lhes fechamos os portos, nos obrigam a abrir os portos brasileiros e transformou-nos num protectorado.

  1. Foi nesta situação, de uma nação despovoada e devastada pela guerra, sem estruturas económicas, militarmente ocupada que se deu a Revolução Liberal de 1820.

Rebentou a guerra civil entre liberais e absolutistas seguida de conflitos entre as facções liberais. É uma nação exaurida que depõe as armas e aceita a Regeneração.

Esperou-se que esta revolução, que fez uma reforma da propriedade que mudou mais uma vez de mãos, alterasse os métodos de exploração agrícola.

«D. Luiz […]. Fiel aos hábitos aristocráticos dos seus maiores.» (pág.13). «[…] Os jovens descendentes […] passavam o tempo cavalgando e caçando nas imediações,» (pág. 17) «Há nada mais triste do que aquelles campos invadidos pelas ortigas » (pág.26) «n’aquelles tempos, as classes privilegiadas podiam entregar-se sem receio a uma vida de incúria e de dissipação, porque os privilégios velavam por ellas e remediavam-lhes os desvarios.» (pág. 36).

[Os Fidalgos da Casa Mourisca, Júlio Dinis, Artes gráficas, Porto, sd].

  1. A regeneração trouxe para a política o sistema eleitoral assente no “caciquismo” - «É inevitável. Os dois primeiros traçados tinham certas durezas. O primeiro era uma luva lançada a uma influência eleitoral, poderosíssima: o brasileiro Seabra. […]. Estou adivinhando que meus filhos votariam por que antes se arrostasse com os despeitos desse influente.» (pág. 174) «E não haverá outro meio? […]. Acaso há só esses dois lugares para dirigir a estrada? […]. Havia um outro traçado, mas esse ia destruir completamente os campos do brejo. Então esse, esse! São bens nossos!» (pág. 175)

[A morgadinha dos canaviais, Júlio Dinis, Livraria Civilização, Porto, 1935]

Chegou, então ao governo Fontes Pereira de Melo que encontrou este país. - «Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a trasbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre. […] a miséria que que instiga a procurar em outras terras o pão que falta na nossa» (pág. 234). «Mas onde pode a plebe ganhar o pão? A grande indústria, a dos tabacos, dá 250 réis de salário a um operário com família. As indústrias fabris são poucas, periclitantes, com interrupções constantes de trabalho. A indústria mineira está abandonada à exploração de companhias estrangeiras. A agricultura vive de rotina – empobrecendo a terra e empobrecimento do homem. […] O trabalhador dos campos vive na miséria, come sardinhas e ervas do campo;» (pág. 236)

[Uma campanha alegre – Eça de Queirós, Livros do Brasil, Lisboa, sd].

O sr. Fontes Pereira de Melo observou a Inglaterra, a França, a Alemanha e os EUAN e o que lhe encheu os olhos foi uma coluna de fumo que se deslocava pelas pradarias - os comboios.

Concluiu que aqueles países eram prósperos, economicamente falando, devido à Linha Férrea e não percebeu que aquelas nações tinham vias férreas devido à prosperidade. E como inverteu a realidade trouxe, então, o Caminho de Ferro para Portugal.

Que é que havia em Portugal para escoar? A única mercadoria de valor era a população faminta, segundo Eça de Queirós. O comboio só lhe veio facilitar o meio de chegar mais rapidamente às cidades portuárias onde apanharia os navios para o Novo mundo – Brasil e EUAN.

Esta corrente emigratória apenas será interrompida pela primeira guerra.

  1. A República apenas acabou com a monarquia e com os velhos caturras aristocratas, de resto continuou com os velhos tiques do Liberalismo. Continuou o caciquismo, o absentismo dos proprietários rurais, uma indústria pouco desenvolvida e dependente da emigração. Piorou com a entrada na primeira Guerra Mundial que se substituiu ao Brasil no retirar os jovens rurais e operários da sua Casa.

Segue-se a Ditadura Militar e o Estado Novo que, ao que se vinha fazendo, acrescentou uma das indústrias mais poluentes que havia – a produção da pasta de papel – que exigiu uma enorme quantidade de fibra vegetal.

Por esse motivo descobriram, que as serras estavam abandonadas e improdutivas. A ordem era para florestar as serras em força e já, como se fosse uma guerra. E pelo que sabemos foi.

«A gente boa sumia-se na emigração. O que sobejava era o rebotalho. Pudera, tanto o lavradorzinho da arada como o cabaneiro viviam frigidos com tributos, com tributos mais escravos que os negros. […]. Os de Lisboa querem-na coberta de pinhal … […]. A serra era de nossos pais e avós, dos nossos rebanhos, dos lobos que no-los comiam, do vento galego que afiava lá pelos descampados as suas navalhas de barba. (pág.21). nos próximos dez a quinze anos, os moradores terão de andar com a cabra e a ovelha à corda, porque se caem em deixá-las fugir para o bastio, multa te valha. […]. Daqui a vinte anos termina a quarentena. É a vida de uma geração. […]. É o renovamento demográfico de uma localidade. […]. Este longo período equivale a sete vezes sete anos de vacas magras. (pág. 41). É a serra que dá o leite e a lã, pois que ali se apascenta o nosso vivo.» (pág.43)

  [. Quando os lobos uivam, Aquilino Ribeiro, Círculo de Leitores, 2010]

A urgência era florestar com plantas fibrosas e de crescimento rápido que se adaptassem às condições do solo. Que não ficasse um mm2 por aproveitar. Florestou-se com resinosas, sem planificação, sem cuidar de precauções contra incêndios e despovoamento. O progresso confundiu-se com rendimento económico imediato, apenas com os olhos fitos no máximo rendimento, o resto era apenas um obstáculo.

Um solo, aparentemente improdutivo, segurava a população que restava, alimentava o gado e o pouco solo arável, fornecia lenha, produzia leite e lã, que fazia funcionar os teares.

Estes factores de harmonia, entre geografia física e humana, foram desprezados e agudizaram a sua destruição. Mais umas centenas de pessoas desesperadas abandonaram o interior a caminho das areias atlânticas, sem intenção de regresso - “Adeus, ó terra/adeus linda serra/de neve a brilhar/Adeus, aldeia/ que eu levo na ideia/não mais cá voltar” [no filme Maria Papoila, dos anos 30/40].

Durante a segunda guerra a corrida ao volfrâmio fixou alguns serranos   nas aldeias. Com o seu fim e com o inicio de uma nova industrialização, embora lenta, instalada nas praias, faz de Portugal um escorrega inclinado para o mar.

A guerra colonial abriu novos horizontes aos jovens que se “recusaram” a regressar à pobreza ancestral e ficam pelas Lisboas e outros litorais ou então seguem, na sua maioria, para as franças, alemanhas e outros destinos europeus.

A escassez da mão de obra camponesa é notória. Os senhorios absentistas para evitarem que as suas terras sejam votadas à improdutividade, não modernizam, limitam-se a fazer contratos um pouco mais benéficos que, se agradam aos camponeses mais antigos, não seduzem de qualquer modo a juventude. E, conforme a população rural envelhece, os campos ficam abandonados.

Com a entrada na CEE – actual UE – os governantes venderam o pouco que restava da agricultura às políticas da PAC e convenceram os proprietários que os seus solos apenas são próprios para florestação. Muitos campos agrícolas começam a ser eucaliptizados.

Entretanto o manto florestal começa a atingir a sua saturação. É um volume de matéria altamente inflamável sem cuidados, abandonada aos desígnios do tempo.

 Quando as primeiras matas começaram a arder ao longo da Linha do Vouga a culpa foi do comboio que faz chispas nos carris e semeia faúlhas ao vento. A linha do Vouga é condenada, porém os incêndios continuaram e aumentaram de ano para ano.

Novos culpados são procurados, os incendiários, os interesses económicos, as condições climatéricas. Estudam-se modos de combater os incêndios. Intensificam-se os meios terrestres, inova-se com meios aéreos, o certo é que nada trava as chamas entre a primavera e o outono.

Fazem-se estudos, mil planos, todos eles com os seus méritos, mas sempre com a tónica no combate e não na prevenção e mesmo quando são preventivos não colocam o dedo na verdadeira ferida.

Resumindo

  • No primeiro momento, da Independência do Condado Portucalense à crise dinástica de 1383/85, o progresso económico do jovem país assentou num desenvolvimento harmónico da produção - agrícola, pastoril, artesanal, mineira – de modo que sustentasse o comércio marítimo com o exterior, não criando desequilíbrios e promovendo um povoamento e desenvolvimento harmonioso do território e das actividades económicas que levam à necessidade de apostar na instrução e à criação dos Estudos Gerais.
  • No segundo momento, depois da Crise dinástica de 1383-1385, o progresso económico assenta na vertente externa de conquista e das viagens marítimas e no comércio com novos povos encontrados e na colonização de terras despovoadas ou escassamente povoada, por povos considerados inferiores.

O litoral e as riquezas de além-mar atraíram a população que tanta falta fizeram para um povoamento equilibrado do Território.

A aposta em empresas falsamente progressistas, que apenas almejavam o enriquecimento imediato, uma industrialização localizada numa faixa de pouco mais de cinquenta quilómetros do mar, muitas vezes assentes em premissas falsas que levaram a fazer do interior uma gigantesca tocha.

Tudo isto empurrou a população para o mar e para além-fronteiras.

Em conclusão

Os fogos florestais não são uma doença – muito menos uma fatalidade – são o sintoma de um país cronicamente doente que sofre da macrocefalia do litoral, desde a dinastia de Avis.

A solução não será, portanto, combater os sintomas, mas combater a doença.

Esse combate passa pela inversão do que até agora se tem feito e se considerou “progresso económico”, para uma política que valorize todo o Território e o bem-estar de toda a População.

  Zé Onofre

12
Nov24

Cantos - XXVIII

zé onofre

Canção XXVIII

 

O24/05/20

 

O Povo está a dormir,

Nos braços da ilusão,

O capital  está a sorrir

Por tamanha inacção.

 

O Povo está a dormir

 Na exploração pura,

O capital continua a rir

Com tamanha candura.

 

O Povo está ronronando

Nos braços do Capital,

Este lhe está soprando

O acordares faz-me mal.

 

Povo, é hora de acordar

Desse torpor profundo,

Os tambores estão a rufar,

Vai ser o futuro do mundo.

   Zé Onofre

 

07
Nov24

Comentários - 352

zé onofre

                  352

 

024/09/13

 

Sobre O Céu Sabe Lá, Sandra, 12.09.24, em https://cronicassilabasasolta.blogs.sapo.pt/

 

Quando, aos dez anos,

Tomei conhecimento que o Mundo

Não era o meu cantinho verde,

Do Tombio correndo entre as canas do milho.

(Às vezes travado para formar uma poça,

Piscina onde se aprendia a nadar

Em cuecas, ou mesmo nu)

Às águas do Tâmega.

 

Aos dez anos,

Descobri o mundo além do Tombio

E vi como o Mundo é grande.

Numa viagem atribulada

Até à grande cidade.

Guimarães

Ficava lá tão longe,

Do meu pátrio Tâmega,

Que eram precisos três transportes diferentes,

Um comboio e duas "caminhetas da carreira",

E um tempo infindo

Para ser alcançada.

 

Aos dez anos, dizia,

Vi como o mundo é grande.

As minhas adoradas "Ciências Naturais",

Ensinaram-me que não só era grande,

Mas que era também alto e profundo.

Mostrou-me as alturas vertiginosas do Everest,

Oito mil oitocentos e quarenta metros,

(Coitadinho do Marão).

As abissais profundezas,

Dez mil metros de abismo,

Da Fossa de Mindanau

(Coitado do meu querido Tâmega,

E a fundura de "quatro cordas de carros de bois".

 

Quando tinha dez anos

O meu desejo,

Ao comparar a minha pequenez

Com a colossal altura do Everest

E a abissal profundidade de Mindanau,

Era ultrapassar, por longe,

Aquela diferença incomensurável.

Os pés assentes no fundo de Mindanau,

E ver de alto as neves eternas do Everest.

 

O pobre do Céu,

Não abrigou este louco desejo.

Como é que, aceitando aquela loucura,

Poderia abrigar com carinho

Sonhos realizáveis?

     Zé Onofre

 

01
Nov24

Comentários 351

zé onofre

                351

 

024/09/07

 

Sobre Simplicidade, por Isabel, Setembro 06, 2024, em https://imsilva.blogs.sapo.pt/

 

As coisas são o que são.
Cada um tem os seus olhos uns.
Com esses olhos uns
Qualificamos o que observamos,
O que sentimos,
Quando o vento sopra nos arvoredos,
Nos telhados e nos beirais;
Quando o sol nascente
Cria raios de diamantes,
Nas gotas do orvalho;
Quando o sol poente,
Doura os horizontes;
Quando o mar,
Reflete o luar,
Ou as estrelas e o céu.
Os olhos uns,
De cada um,
Verá,
O que tiver de ver naquele momento preciso.
Tão simples parece escrever sobre simplicidade.
      Zé Onofre

 

 

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