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Notas à Margem

Notas à Margem

27
Fev24

Canto triste - XXV

zé onofre

                            Canção XXV

 

024/02/26

Ó gentes minhas companheiras, 

Que das serras fazeis queijo,

Que da terra amassada fazeis pão,

Que lavrais peixes nos mares,

Que da matéria bruta criais beleza,

Que em todos balcões servis vida,

Que o caos organizais em números,

Pensemos baixinho, com sinceridade

Como ficamos tão sem força assim

Para não levarmos a luta até ao fim.

 

Ó gentes, minhas companheiras,

Que sacrificáveis o descanso,

Depois de um dia de labuta,

E em negras noites de sussurros

Com força nos braços, brilho no olhar

Desbravávamos novos caminhos

À procura de um futuro sem classes.

Pensemos baixinho, com sinceridade

Como ficamos tão sem força assim

Para não levarmos a luta até ao fim.

 

Digamos companheiras, digamos,

Aos ventos que sopram dos montes,

Do queijo que em vossas mãos nascem,

Das mãos que da terra arrancam pão,

Do coro das máquinas que vossos dedos regem,

Dos números a contar sob a vossa mestria,

Dos peixes embalados nos vossos berços, 

Digamos baixinho, com sinceridade

Como ficamos tão sem forças assim

Para não levarmos a luta até ao fim.

 

Ouçamos no vento, ouçamos com atenção

O que um diz na solidão do monte,

O que outro prega na rabeta do arado,

O que alguém resmunga junto à máquina,

O espanto da realidade na máquina de calcular,

O gemer dos dias nos barcos a baloiçar,

Ouçamos baixinho, gritemos com verdade

Que ficarmos tão sem forças assim

Desonra a quem nos trouxe perto do fim.

   Zé Onofre

03
Set23

Notas à margem - Dia de hoje 93

zé onofre

               93 – Natal

 

023/09/03

 

Este ano,

O meu desejo de Natal,

É que não haja Natal

Por desnecessário e anacrónico.

 

Porque desde sempre

Apenas o sol iluminava os dias

E que a noite

Apenas conhecia a lua e as estrelas.

 

Porque o solo

Apenas tinha memória

De ser rasgado pelos ferros do arado,

Apenas fora pisado por tratores,

E nunca sentira o peso de botas cardadas,

Nem de máquinas de lagartas.

 

As cidades apenas sabiam

De edifícios que eram lares

E não construções de paredes esventradas.

 

Os verdes e floridos jardins

Tinham apenas a lembrança

Das alegrias, tristezas, brincadeiras e brigas das crianças,

Do arrulhar e arrufos de namorados,

Do silêncio/memória dos reformados.

 

Nos bosques apenas havia vestígios

Do desenvolvimento harmonioso da vida selvagem,

Ao som do vento e da chuva,

Da brancura da neve e das geadas,

Dos temporais e das bonanças,

De homens, mulheres e crianças

Em alegres passeios e piqueniques.

 

Os rios e os lagos desde há muito

Eram o habitat da vida aquática,

A serenidade das suas águas

Apenas eram cortadas por árvores que tombavam,

Pelo remar de pequenos barcos,

Onde felizes humanos

Conversavam e cantavam a vida.

Havia também o registo de corpos,

Mais ou menos elegantes

Que nas suas águas procuravam prazer.

 

Os mares, desde tempos imemoriais,

Apenas eram navegados por cruzeiros,

Navios cargueiros,

Respeitados pelos humanos

Que nunca dele fizeram o seu caixote do lixo,

Quanto mais estrada de máquinas de morte.

 

Os ares, apenas sabiam,

Que eram o lar das nuvens e das aves,

A fonte dos relâmpagos e dos trovões,

Caminho de aviões que os cruzavam

Com intenções de negócios,

Ou como mensageiros de tristezas e alegrias,

Ou apenas destino de descanso e recreio.

Os ares nunca souberam que poderiam ser voados,

Por máquinas furiosas que desovavam,

Inclementes, ovos de morte sobre a superfície.

 

As ruas, praças e avenidas,

Desde tempos antigos

Sentem passos de pessoas,

Sem pressas nem correrias,

Que apenas viviam a vida

Com alegrias, choros, tristezas e gargalhadas,

A olharem o longe sem medo

Que do nada surgisse a morte.

O seu único receio era que um  pássaro passageiro

Largasse sobre elas um dejeto ligeiro.

 

Dos campos, das minas, das fábricas e dos mares

Apenas se fabricava e extraía o necessário.

Não se produzia para o excesso,

Nem para acumular riqueza,

E produzir pobres.

 

Este ano,

O meu desejo de Natal,

É que não haja Natal

Por desnecessário e anacrónico.

   Zé Onofre

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