Notas à margem - Canto triste - Canção XXIII
023/09/02
Canção XXIII
Passei por ti vinhas da escola,
Passei por ti vinhas da escola
Vinhas de aprender a lição.
Trazias o saber na sacola,
Trazias o saber na sacola,
A vida em cada mão.
Passei por ti saías da carreira,
Passei por ti saías da carreira
Mesmo à porta do liceu.
Vinhas com aquela maneira,
Vinhas com aquela maneira
De quem o mundo é todo seu.
Passei por ti vestias de escuro,
Passei por ti vestias de escuro,
Bem ao contrário do que sentias.
Vivias no presente o futuro,
Vivias no presente o futuro,
Em orgias de fantasia e alegria.
Passei por ti logo a seguir à festa,
Passei por ti logo a seguir à festa,
Por ruas, praças e avenidas.
Ainda trazias o brilho na testa,
Ainda trazias o brilho na testa,
Dos sonhos com que teceste a vida.
Passei por ti vinhas quais crianças,
Passei por ti vinhas quais crianças,
Que ainda mal aprenderam a andar.
Tropeçavas em destroçadas esperanças,
Tropeçavas em destroçadas esperanças,
Consumidas antes de a vida começar.
Passei por ti de ti estavas ausente,
Passei por ti de ti estavas ausente,
Na fila à porta que gelou o futuro.
Esperavas com, como a ti, igual gente,
Esperavas com, como a ti, igual gente,
Que se acenda, mesmo frágil, luz no escuro.
Passei por ti tinhas desistido,
Passei por ti tinhas desistido,
De lançar no mundo novas sementes.
Não te acomodes no lamento de vencido,
Não te acomodes no lamento de vencido,
Vai unir-te aos irredutíveis resistentes.
Zé Onofre