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Notas à Margem

Notas à Margem

07
Mai24

Das Eras - parte VII Regresso às Sombras e Sussurros - 1

zé onofre

                  1

 

024/05/05 (20/04/78)

 

 

Povo,

Acabou o vozear,

Aqui, quem manda sou eu.

Que história é esta de falar alto.

Silêncio!

Já ordenei.

 

Quem se atreve,

Quem gatinha no silêncio da noite?

Que ruídos são estes?

Polícias,

Há sons violentos à luz das estrelas.

Há gritos de revolta,

Que perturbam o meu mundo.

Calem-nos!

Já ordenei.

 

Silêncio!

Aqui, quem fala alto sou eu só.

Nenhuma outra voz se deve levantar.

Nem um só gesto deve ser intentado,

Sem a minha permissão.

Polícias,

Há pessoas na rua

Que reclamam,

Que gritam,

Que choram.

Que nenhuma mãe chore o filho morto.

Morreu, está morto,

Algo fez para ser abatido pelo poder.

Amordacem-nas,

Já ordenei.

 

Saibam.

Eu quero, eu posso e eu mando.

Calai as lamúrias,

Os choros,

Os gritos de revolta,

Os ventos conspirantes

Que atravessam as pradarias,

Os montes e os mares,

Que pelas juntas das paredes,

Pelas frinchas das portas e das janelas,

Pelos telhados vãos,

Incendeia a revolução.

Silenciem-no

Sou eu que ordeno.

 

Que cantos são estes?

Que pés marcham contra mim?

Quem desafia a minha autoridade?

Mando na voz do vento,

No som do mar,

Capturei a voz das pessoas

– Homens, mulheres, crianças –

O canto das aves,

O rugido das feras.

O ribombar dos trovões,  

Qualquer som foi por mim capturado.

Que nenhum som se escape,

Ordeno eu.

 

Aprisionei a vida.

Contudo,

Ouço fortes sussurros,

Que correm pelos subterrâneos do medo,

E perturbam o meu sono.

Polícia,

Quem se vê?

Quem se ouve?

Quem rasteja?

Quem produz este som rouco

Que se eleva das profundezas da terra?

Que sombras são estas,

Que deslizam pela noite?

Que luz é esta que me cega?

Que rec-rec é este que corrói o meu trono?

Quem se ri de raiva,

E chacota do meu mando?

Quem derruba as grades,

As portas e as janelas,

As paredes sólidas,

Dos meus cárceres?

Quem cortou as peias do medo,

Da miséria e da guerra,

Com vozes que cantam

A paz e o pão,

A saúde e a habitação,

A cultura e a educação?

Polícias,

Sustenham essa ameaça

Que esperam para cumprir o que ordeno?

 

Quem abre os meus celeiros?

Quem rebenta com os meus canhões?

Quem cala as minhas metralhadoras?

Quem derruba as minhas fábricas de morte?

Quem arromba os meus cofres?

Quem ousa dar pão,

Quem se atreva a fazer a paz,

E a distribuir o meu ouro ensanguentado?

Polícias,

Encarcerem todos,

Todos são culpados,

Sou eu que o decreto.

 

Onde estão as gentes

Que ruidosamente me aplaudiam,

Com acenos de cabeça,

Palmas e vivas?

Para onde foi o medo

Que, mais do que os polícias

As armas e as prisões,

Submetia o povo?

Quem levanta a bandeira vermelha

Da liberdade e da igualdade,

No reino do medo

E da opressão,

Quem?

 

Portugal, senhor.

     Zé Onofre

07
Mar24

Dia de hoje 99

zé onofre

 

              99

 

024/03/07

 

Me confesso decidido,

Irei votar.

Seria uma traição,

Não votar.

Uma traição ao meu passado,

A quem sonhou liberdade na prisão,

A quem foi morto a tiro na rua,

A quem foi assassinado nos campos,

A quem pôs primeiro a nossa vida,

Dando pelo futuro a sua.

 

Seria dar-me por vencido.

Sei que com o voto nada mudarei,

Porque o futuro apenas se altera com ação.

Foi agindo,

Correndo à frente dos choques,

Para numa esquina pararmos em choque

Com as mãos escorrendo sangue

De outrem atropelado por algum dos choques.

 

Por isso confesso.

Está decidido vou votar.

Não votar,

Seria apagar as passadas

Lá atrás dadas

Renegar os passos, 

Para conquistar a liberdade de votar,

Nas ruas, reclamada.

 

Confesso que vou votar

Sem condicionamentos de apelos inúteis

Que querem comprar consciências,

Que deite às malvas a razão

Que me moveu a lutas difíceis,

E me move para futuros incríveis.

 

Vou votar numa ideologia,

Num programa que aponta um futuro,

Não para um “País”, entidade abstrata,

Mas para Portugueses, entidades concretas.

Não quero saber,

Se o partido em que votarei terá um só voto,

E que esse voto seja só o meu.

 

Vou votar sem condicionamentos,

Sem dar ouvido aos cantos da sereia,

Que apelam a paraísos mil vezes prometidos,

Outros mil rasgados,

De novo colados com cuspo,

Com apelo ao voto útil,

Tornando inútil

O que de mais íntimo

Sentimos.

 

Não quero saber, se A é mau,

E se a escolha de B, é pior,

É lá vem a história da carochinha,

É preciso votar no menos mau.

E onde fica a liberdade?

Onde fica a minha escolha,

Que por acaso não é A nem B?

Como poderemos realmente saber

O que cada Português

Quer para bem dos Portugueses,

E não o que é melhor

Para os patrões de Bruxelas,

Capatazes servis do Mercado?

  Zé Onofre

 

Votarei «útil».

Votarei no partido da minha preferência.

Votarei Branco.

Votarei Nulo.

 

Não me digam

Esse voto é perdido.

Ninguém me diga,

Vem por aqui.

Irei por onde quero,

Porque sei para onde quero ir,

E não é pelo vosso «voto útil».

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