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Notas à Margem

Notas à Margem

02
Jun24

Dia de hoje - 103

zé onofre

               103

 

024/06/02 – 02:00h

 

Não me lembrei que ontem/hoje

É/foi dia da Criança.
Pensar que também já fui criança.
Enquanto o fui não sabia que o era.

Era apenas um ser que brincava,

Ria e chorava,

Corria comos os cabritos pelos montes,

Mergulhava nas águas geladas das poças de rega

Ou nas correntes águas d do Tâmega.

Brincava à cabra-cega,

Ao bate e fica, à bruxa da ajuda,

Jogava o pião, saltava à corda com vergas de vides, jogava a macaca,

Dançava canções de roda,

E tantas outras coisas naturais para o ser que era.
Maquinalmente ia à missa,

À catequese, ao terço, fazia a via sacra,

Apenas porque sim

E porque antes e depois havia muitos amigos

Para brincar.

Jogava a bola de trapos

Que tanto servia para acertar nas canelas,

Rebentar os sapatos, novos ou velhos,

Como para jogar o mata.
Fazia tudo que havia para fazer

Porque era da natureza das coisas serem feitas.
Tudo isso eu fazia sem saber que era criança.
Apenas me apercebi que fui criança,

Quando deixei de fazer tantas coisas

Que já não era da natureza serem feitas.

Nesse momento morri.
Será que então renasci,

Ou um outro ser nasceu daquilo que fui?
Que conservo desse tempo

Em que fui criança sem o saber?
Talvez venha dessa perda,

A minha queda para a melancolia

A vontade de encontrar um futuro

Onde todas as crianças

Possam ser crianças sem saberem que o são,

Que façam coisas naturais

Para aquilo que são.

Que possam brincar de pés descalços,   

Vivendo em casas, palacetes, ou barracas,

Todos iguais sendo crianças sem o saberem

Brincando com coisas próprias de crianças

Nos campos e nos montes,

Ou nas areias do deserto

Sem brincarem ao rou-rou

Sem bombas como esconderijos.

Que possam brincar só com um sol brilhando no céu,

Só com nuvens de água,

Ou de areia,

Mas sem nuvens da fumaça das bombas.

Que possam brincar ao princípio da noite,

À luz das estrelas, ou do luar

Sem a luz artificial de bombas em explosão.

Que possam ser crianças

Como quando fui criança sem o saber,

Em que o que importava,

E apenas deve importar é ser,

Ser apenas e não ter.

22
Out23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro III - Tongobriga

zé onofre

TONGOBRIGA, 2005.02.14 

 

De olhos arregalados

Diogo, atento, caminha

Por entre as pedras

Da cidade em ruína.

 

“Aqui, na casa do poço,

Era a casa do padeiro:

Ali parece ter havido

Uma forja de ferreiro.

 

A casa do implúvio“

Diogo fica atrasado

Há uma voz que o chama

Que o leva ao passado.

 

A casa do padeiro

Está agora em forma.

Na casa do ferreiro

Ouve-se de novo a bigorna.

              

Na casa do implúvio

Há gente a descansar

Há escravos, há crianças

No lago a chapinar.

 

Tonto vai pelas ruas

A ouvir aquela gente

E nem sequer estranha

Não se sente diferente.

 

Parece-lhe que está,

Não sabe por que magia

No Largo da sua Terra

Em dias de romaria.

TONGOBRIGA.jpg

Eh, tu aí, chega-te cá

Vem jogar o dado.

Se me ganhares

Levas este soldado.

 

Diogo aninhou-se

Lança os dados: sete.

Uma voz acorda-o

“- Diogo, onde te meteste!?

 

Assim volta ao presente

Sem ter tido tempo

De correr todas as lojas

De ter entrado no templo.

 

Volta à cidade em ruínas

Regressa triste do passado.

Tem um soldado no bolso,

Na mão tem, ainda, um dado.

  Zé Onofre

03
Set23

Notas à margem - Dia de hoje 93

zé onofre

               93 – Natal

 

023/09/03

 

Este ano,

O meu desejo de Natal,

É que não haja Natal

Por desnecessário e anacrónico.

 

Porque desde sempre

Apenas o sol iluminava os dias

E que a noite

Apenas conhecia a lua e as estrelas.

 

Porque o solo

Apenas tinha memória

De ser rasgado pelos ferros do arado,

Apenas fora pisado por tratores,

E nunca sentira o peso de botas cardadas,

Nem de máquinas de lagartas.

 

As cidades apenas sabiam

De edifícios que eram lares

E não construções de paredes esventradas.

 

Os verdes e floridos jardins

Tinham apenas a lembrança

Das alegrias, tristezas, brincadeiras e brigas das crianças,

Do arrulhar e arrufos de namorados,

Do silêncio/memória dos reformados.

 

Nos bosques apenas havia vestígios

Do desenvolvimento harmonioso da vida selvagem,

Ao som do vento e da chuva,

Da brancura da neve e das geadas,

Dos temporais e das bonanças,

De homens, mulheres e crianças

Em alegres passeios e piqueniques.

 

Os rios e os lagos desde há muito

Eram o habitat da vida aquática,

A serenidade das suas águas

Apenas eram cortadas por árvores que tombavam,

Pelo remar de pequenos barcos,

Onde felizes humanos

Conversavam e cantavam a vida.

Havia também o registo de corpos,

Mais ou menos elegantes

Que nas suas águas procuravam prazer.

 

Os mares, desde tempos imemoriais,

Apenas eram navegados por cruzeiros,

Navios cargueiros,

Respeitados pelos humanos

Que nunca dele fizeram o seu caixote do lixo,

Quanto mais estrada de máquinas de morte.

 

Os ares, apenas sabiam,

Que eram o lar das nuvens e das aves,

A fonte dos relâmpagos e dos trovões,

Caminho de aviões que os cruzavam

Com intenções de negócios,

Ou como mensageiros de tristezas e alegrias,

Ou apenas destino de descanso e recreio.

Os ares nunca souberam que poderiam ser voados,

Por máquinas furiosas que desovavam,

Inclementes, ovos de morte sobre a superfície.

 

As ruas, praças e avenidas,

Desde tempos antigos

Sentem passos de pessoas,

Sem pressas nem correrias,

Que apenas viviam a vida

Com alegrias, choros, tristezas e gargalhadas,

A olharem o longe sem medo

Que do nada surgisse a morte.

O seu único receio era que um  pássaro passageiro

Largasse sobre elas um dejeto ligeiro.

 

Dos campos, das minas, das fábricas e dos mares

Apenas se fabricava e extraía o necessário.

Não se produzia para o excesso,

Nem para acumular riqueza,

E produzir pobres.

 

Este ano,

O meu desejo de Natal,

É que não haja Natal

Por desnecessário e anacrónico.

   Zé Onofre

02
Set23

Notas à margem - Canto triste - Canção XXIII

zé onofre

023/09/02

Canção XXIII

 

Passei por ti vinhas da escola,

Passei por ti vinhas da escola

Vinhas de aprender a lição.

Trazias o saber na sacola,

Trazias o saber na sacola,

A vida em cada mão.

 

Passei por ti saías da carreira,

Passei por ti saías da carreira

Mesmo à porta do liceu.

Vinhas com aquela maneira,

Vinhas com aquela maneira

De quem o mundo é todo seu.

 

Passei por ti vestias de escuro,

Passei por ti vestias de escuro,

Bem ao contrário do que sentias.

Vivias no presente o futuro,

Vivias no presente o futuro,

Em orgias de fantasia e alegria.

 

Passei por ti logo a seguir à festa,

Passei por ti logo a seguir à festa,

Por ruas, praças e avenidas.

Ainda trazias o brilho na testa,

Ainda trazias o brilho na testa,

Dos sonhos com que teceste a vida.

 

Passei por ti vinhas quais crianças,

Passei por ti vinhas quais crianças,

Que ainda mal aprenderam a andar.

Tropeçavas em destroçadas esperanças,

Tropeçavas em destroçadas esperanças,

Consumidas antes de a vida começar.

 

Passei por ti de ti estavas ausente,

Passei por ti de ti estavas ausente,

Na fila à porta que gelou o futuro.

Esperavas com, como a ti, igual gente,

Esperavas com, como a ti, igual gente,

Que se acenda, mesmo frágil, luz no escuro.

 

Passei por ti tinhas desistido,

Passei por ti tinhas desistido,

De lançar no mundo novas sementes.

Não te acomodes no lamento de vencido,

Não te acomodes no lamento de vencido,

Vai unir-te aos irredutíveis resistentes.

    Zé Onofre

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