93 – Natal
023/09/03
Este ano,
O meu desejo de Natal,
É que não haja Natal
Por desnecessário e anacrónico.
Porque desde sempre
Apenas o sol iluminava os dias
E que a noite
Apenas conhecia a lua e as estrelas.
Porque o solo
Apenas tinha memória
De ser rasgado pelos ferros do arado,
Apenas fora pisado por tratores,
E nunca sentira o peso de botas cardadas,
Nem de máquinas de lagartas.
As cidades apenas sabiam
De edifícios que eram lares
E não construções de paredes esventradas.
Os verdes e floridos jardins
Tinham apenas a lembrança
Das alegrias, tristezas, brincadeiras e brigas das crianças,
Do arrulhar e arrufos de namorados,
Do silêncio/memória dos reformados.
Nos bosques apenas havia vestígios
Do desenvolvimento harmonioso da vida selvagem,
Ao som do vento e da chuva,
Da brancura da neve e das geadas,
Dos temporais e das bonanças,
De homens, mulheres e crianças
Em alegres passeios e piqueniques.
Os rios e os lagos desde há muito
Eram o habitat da vida aquática,
A serenidade das suas águas
Apenas eram cortadas por árvores que tombavam,
Pelo remar de pequenos barcos,
Onde felizes humanos
Conversavam e cantavam a vida.
Havia também o registo de corpos,
Mais ou menos elegantes
Que nas suas águas procuravam prazer.
Os mares, desde tempos imemoriais,
Apenas eram navegados por cruzeiros,
Navios cargueiros,
Respeitados pelos humanos
Que nunca dele fizeram o seu caixote do lixo,
Quanto mais estrada de máquinas de morte.
Os ares, apenas sabiam,
Que eram o lar das nuvens e das aves,
A fonte dos relâmpagos e dos trovões,
Caminho de aviões que os cruzavam
Com intenções de negócios,
Ou como mensageiros de tristezas e alegrias,
Ou apenas destino de descanso e recreio.
Os ares nunca souberam que poderiam ser voados,
Por máquinas furiosas que desovavam,
Inclementes, ovos de morte sobre a superfície.
As ruas, praças e avenidas,
Desde tempos antigos
Sentem passos de pessoas,
Sem pressas nem correrias,
Que apenas viviam a vida
Com alegrias, choros, tristezas e gargalhadas,
A olharem o longe sem medo
Que do nada surgisse a morte.
O seu único receio era que um pássaro passageiro
Largasse sobre elas um dejeto ligeiro.
Dos campos, das minas, das fábricas e dos mares
Apenas se fabricava e extraía o necessário.
Não se produzia para o excesso,
Nem para acumular riqueza,
E produzir pobres.
Este ano,
O meu desejo de Natal,
É que não haja Natal
Por desnecessário e anacrónico.
Zé Onofre