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Notas à Margem

Notas à Margem

10
Dez24

Dia de hoje 2024 - 22

zé onofre

22 – Natal de Novo

 

024/12/10

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Que ainda não tenha sido dito,

Ainda não tenha sido escrito,

Ainda não tenha sido cantado.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Não mãe,

Logo no primeiro Natal

Os anjos cantaram

Paz aos Homens por ele amados,

Depois mudaram a letra

Para um verso mais abrangente,

Paz aos Homens de Boa Vontade,

E, ultimamente, alguém louco

Pôs na boca dos anjos

Boa Vontade aos Homens

Para fazerem a Paz.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Não, essa não.

Já alguém escreveu

Sobre os salões luxuosos,

Decorados de luz e cores,

De mesas a transbordar

Das melhores iguarias,

Enquanto fora

Uma descalça,

E esfarrapada menina,

Falecia na rua gelada

À luz de uma fogueira de fósforos.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Oh, essa,

Já alguém escreveu

Que uma mulher trabalhadora,

Chegada a sua hora,

Pariu sob a borda de um campo.

Aconchegada a criança,

Pegou na enxada

E, como se nada fosse,

Foi à labuta do dia a dia.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Sim, mãe,

Também já alguém escreveu

Sobre a mulher

Que deu à luz numa garagem

Suja de óleo

E que num berço improvisado,

De pneus e desperdícios

À luz duns faróis,

De um automóvel a desfazer-se

Deu à luz um menino,

E a que ninguém chamou

Salvador do Mundo.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Dizer isso,

Já foi tantas vezes repetido,

Que já todos sabem

Que os vendilhões do Templo

Transformaram o Natal

Num imenso megamercado Universal.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Mãe, isso é de todos os anos.

Os sem abrigo coitados,

Sob as pontes,

Os portais das casas,

Nos prédios em ruínas,

Que o são todo o ano,

Mas que só no Natal,

As gentes caridosas

E os governantes hipócritas e relapsos

Se lembram que existem.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Toda a gente já sabe, mãe,

Há muitos anos que foi escrito,

Dito,

Cantado,

Que o Natal

É quando um Homem quiser

E que é Natal em todo o Mundo

Sempre que nasce um menino.

 

Mãe, conte-me algo de novo

Que se diga sobre o Natal,

Ah,

Queres que diga

Que no Natal,

Que em cada Natal que está por vir

Se cumpra,

O que desde o primeiro Natal,

Ficou por cumprir?

Mãe, mas isso já não foi dito?

Está bem, mãe,

Nunca é de mais repetir.

       Zé Onofre

07
Mai24

Das Eras - parte VII Regresso às Sombras e Sussurros - 1

zé onofre

                  1

 

024/05/05 (20/04/78)

 

 

Povo,

Acabou o vozear,

Aqui, quem manda sou eu.

Que história é esta de falar alto.

Silêncio!

Já ordenei.

 

Quem se atreve,

Quem gatinha no silêncio da noite?

Que ruídos são estes?

Polícias,

Há sons violentos à luz das estrelas.

Há gritos de revolta,

Que perturbam o meu mundo.

Calem-nos!

Já ordenei.

 

Silêncio!

Aqui, quem fala alto sou eu só.

Nenhuma outra voz se deve levantar.

Nem um só gesto deve ser intentado,

Sem a minha permissão.

Polícias,

Há pessoas na rua

Que reclamam,

Que gritam,

Que choram.

Que nenhuma mãe chore o filho morto.

Morreu, está morto,

Algo fez para ser abatido pelo poder.

Amordacem-nas,

Já ordenei.

 

Saibam.

Eu quero, eu posso e eu mando.

Calai as lamúrias,

Os choros,

Os gritos de revolta,

Os ventos conspirantes

Que atravessam as pradarias,

Os montes e os mares,

Que pelas juntas das paredes,

Pelas frinchas das portas e das janelas,

Pelos telhados vãos,

Incendeia a revolução.

Silenciem-no

Sou eu que ordeno.

 

Que cantos são estes?

Que pés marcham contra mim?

Quem desafia a minha autoridade?

Mando na voz do vento,

No som do mar,

Capturei a voz das pessoas

– Homens, mulheres, crianças –

O canto das aves,

O rugido das feras.

O ribombar dos trovões,  

Qualquer som foi por mim capturado.

Que nenhum som se escape,

Ordeno eu.

 

Aprisionei a vida.

Contudo,

Ouço fortes sussurros,

Que correm pelos subterrâneos do medo,

E perturbam o meu sono.

Polícia,

Quem se vê?

Quem se ouve?

Quem rasteja?

Quem produz este som rouco

Que se eleva das profundezas da terra?

Que sombras são estas,

Que deslizam pela noite?

Que luz é esta que me cega?

Que rec-rec é este que corrói o meu trono?

Quem se ri de raiva,

E chacota do meu mando?

Quem derruba as grades,

As portas e as janelas,

As paredes sólidas,

Dos meus cárceres?

Quem cortou as peias do medo,

Da miséria e da guerra,

Com vozes que cantam

A paz e o pão,

A saúde e a habitação,

A cultura e a educação?

Polícias,

Sustenham essa ameaça

Que esperam para cumprir o que ordeno?

 

Quem abre os meus celeiros?

Quem rebenta com os meus canhões?

Quem cala as minhas metralhadoras?

Quem derruba as minhas fábricas de morte?

Quem arromba os meus cofres?

Quem ousa dar pão,

Quem se atreva a fazer a paz,

E a distribuir o meu ouro ensanguentado?

Polícias,

Encarcerem todos,

Todos são culpados,

Sou eu que o decreto.

 

Onde estão as gentes

Que ruidosamente me aplaudiam,

Com acenos de cabeça,

Palmas e vivas?

Para onde foi o medo

Que, mais do que os polícias

As armas e as prisões,

Submetia o povo?

Quem levanta a bandeira vermelha

Da liberdade e da igualdade,

No reino do medo

E da opressão,

Quem?

 

Portugal, senhor.

     Zé Onofre

04
Set23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro III - Eurico

zé onofre

   EURICO 

(2004-11-22

 

Um dia o Eurico...

- Que é que o Eurico tem?

Desapareceu por encanto

Da beira da sua mãe

 

Onde está o Eurico?

Anda a mãe num desatino

De um lado para outro

À procura do seu menino.

 

De repente faz-se luz.

- Que tola que sou eu!

E como uma seta vai

Onde o Eurico se meteu.

 

Onde havia o Eurico

De se ir esconder?

Na cozinha do forno

O rico bolo a comer.

EURICO.jpg

 

05
Jul23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - Quimera

zé onofre

 

           Quimera

                                                                                                                                       

Naquele dia claro e límpido                           

 Estava a pintar no jardim                              

Uma menina vestida de névoa                        

Apareceu-me e disse assim:                            

                                                                     

O meu nome é Quimera.                                 

Não me perguntou quem és,                           

Apenas sorrindo acrescentou,                                                                      

Pinta-me como me vês.                                   

 

Pôs-se à minha frente

Bailando como só ela

E a minha mão como louca

Bailou com as cores na tela.

 

Fez-se um silêncio

Uma funda quietação.

Quimera foi-se dançando

Esqueci-me da minha mão.

 

Rasgou o silêncio a tua voz

Meiga, mãe: filho, não vens?

Como eu não fosse vieste tu.

Que linda pintura, aqui tens!

 

Há uma doce incerteza

Que não quero desvendar,

Se o quadro o pintei eu,

Ou se foi a Quimera a bailar.

 

Olho o quadro na parede

À noite, quando me deito,

A Quimera solta-se do quadro  

Vem bailar no meu peito.

QUIMERA.jpg

Zé Onofre

 

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