Dia de hoje 110
110
024/11/17
Roubado
Noutros tempos,
E esses ontem foram,
Contudo,
Lá tão longe
Que parece que um século se passou.
Naqueles tempos,
Cinzentos na névoa da memória,
Havia um menino,
Como todos os outros meninos
Que outrora havia,
Que vivia ao ritmo da vida
Sem pressas,
Sem ansiedades
Ao ritmo do tempo
Que o tempo tinha.
O tempo,
Nesse tempo ido,
Era marcado pelo calendário
Que não sabia de dias
Nem de horas,
Era marcado pelo ritmo
Dos momentos,
Que então o ano tinha.
Havia o tempo de semear,
O tempo de cuidar,
O tempo de colher,
O tempo de descansar.
Tudo acontecia,
Como tinha de suceder,
No tempo de acontecer.
Era a festa da Primavera,
Opas vermelhas de casa em casa
Guiadas pelo som estridente
De campainhas de prata
Que crianças felizes
Badalavam sorridentes.
Já quase no fim,
Pré-anunciando o verão,
Acontecia o dia da espiga,
Dos murmúrios pelos valados,
De carícias e juras dos namorados
E a festa da Ascensão.
O doirado do trigo e do centeio
Chamavam as ceifeiras,
Era o verão no seu fulgor.
Os mergulhos em águas frescas,
De poças, riachos, ribeiros
E rios verdadeiros.
Os bailaricos
Nos largos e terreiros,
Pelo são João,
Que duravam a noite inteira.
Já lá vem o Outono multicolor,
Das vindimas,
Das desfolhadas
Com risos marotos,
Cochichos misteriosos,
Das explosões de alegria,
Numa espiga de milho-rei.
De mansinho chegava o inverno,
Das chuvas mansas,
Ou torrenciais, das geadas “brabas”,
Caiadoras dos campos
Imitando, como podiam,
A brancura da neve.
Inesperadamente, como um sonho,
Já era o tempo dos presépios,
Das rabanadas e da aletria,
Da Missa do Galo,
Das janeiras e dos reis.
Ao ritmo do tempo
Que o tempo tinha,
De um calendário sem pressas
A vida acontecia,
Como tinha de acontecer,
No seu momento único
De alegria e magia.
Fui roubado
Pelo tic-tac furioso dos relógios,
Devoradores do tempo,
Que antecipam
Destruindo a surpresa
Do o momento certo e único
Que surgia vindo do nada
Com a magia do inesperado.
Zé Onofre
