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023/12/20
No tempo em que o tempo parava
Naquele tempo,
Antes de este tempo
Que em tudo que toca macula
Que das mais pequenas coisas
Faz objeto de consumo,
O Natal
Não era uma data no calendário,
Uma palavra no dicionário,
Era o tempo
Do mistério e da alegria,
Do sonho e da magia.
Do Natal desse tempo
Não há um momento especial,
Todos os momentos eram
Por inteiro o Natal.
Começava no fim das aulas em dezembro,
Com a criançada desafinada,
Pela estrada até casa
A cantar entusiasmada
– «Aulas acabadas
Férias começadas
Vamos para casa
Comer rabanadas».
Continuava-se com o presépio,
Na Igreja e em casa,
Na cozinha à volta da mãe
A provar as lambarices.
A noite de vinte e quatro
Com o bacalhau e a doçaria
(Com filhós e bolos de abóbora
rabanadas e aletria).
No Largo da Igreja
Com brincadeiras mil
Até à missa do Galo,
Com o “nosso” presépio a presidir.
Ao outro dia a festa continuava.
Ensaiar as janeiras. Canto tradicional,
Já não à avó, mas que continuava
Ao tio mais velho da Casa do Espinhal.
Era uma semana cheia de alegria,
O pai e os filhos, vê-los era um regalo.
E como sempre o pai contava
“uma vez deram um arroz de galo”,
E logo de seguida, com ar maroto,
“Não, galo de arroz”, emendava.
Acabava o Natal,
No primeiro dia de janeiro,
Alta madrugada
Já o galo cantava no poleiro.
Votaria daí a uma eternidade,
(Caído logo no esquecimento)
No último dia de aulas
Do próximo dezembro.
Zé Onofre